quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Tá tudo bem

Posso não saber nada do coração das gentes, mas tenho a impressão, de que, de tudo, o pior é quando entra a segunda parte da letra de “Atrás da porta”, ali no quando “dei pra maldizer o nosso lar pra sujar teu nome, te humilhar”. Chico Buarque é ótimo pra essas coisas. Billie Holiday é ótima pra essas coisas. E Drummond quando ensina que “o amor, caro colega, esse não consola nunca de núncaras”. Aí você saca que toda música, toda letra, todo poema, todo filme, toda peça, todo papo, todo romance, tudo e todos o tempo todo, antes, agora e depois, falam disso. Que o que você sente é único e indivisível e é exatamente igual à dor coletiva, da Rocinha a Biarritz. O coro de anjos de Antunes Filho levanta no ar, em triunfo, os corpos mortos de Romeu e Julieta enquanto os Beatles pedem um Litlle help from my friends, e a plateia ainda aplaude e pede bis (o Gonzaguinha também é ótimo pra essas coisas). Meus amigos, abandonados para que eu pudesse mergulhar, voltaram a mil. Tem seus prazeres o fim do amor. Se é patologia, invenção cristã-judaico-ocidental-capitalista, ou maya, ego, se é babaquice, piração, se mudou-através-dos-tempos, puro sexo, carência, medo da morte: não interessa. Tenho certeza que estive lá, naquele terreno. Ele existe.

(…)

O que quero dizer é justamente o que estou dizendo. Não estou com pena de mim. Tá tudo bem. Tenho tomado banho, cortado as unhas, escovado os dentes, bebido leite. Meu coração continua batendo - taquicárdico, como sempre. Dá licença, Bob Dylan: it’s all right man, I’m just bleeding. Tá limpo. Sem ironias. Sem engano. Amanhã, depois, acontece de novo, não fecho nada, não fechamos nada, continuamos vivos e atrás da felicidade, a próxima vez vai ser ainda quem sabe mais celestial que desta, mais infernal também, pode ser, deixa pintar. Se tiver aprendido lições (amor é pedagógico?), até aproveito e não faço tanta besteira. Mas acho que amor não é cursinho pré-vestibular. Ninguém encontra seu nome no listão dos aprovados. A gente só fica assim. Parado olhando a medida do Bonfim no pulso esquerdo, lado do coração e pensando, pois é, vejam só, não me valeu.

De Caio Fernando Abreu, retirado do livro Para sempre teu, Caio F., de Paula Dip.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Para Maria da Graça

Agora, que chegaste à idade avançada de quinze anos, Maria da Graça, eu te dou este livro: Alice no País das Maravilhas.
Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti.
Escuta, se não descobrires um sentido na loucura acabarás louca. Aprende pois, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isto a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da realidade.
A realidade, Maria, é louca.
Nem o Papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: “Fala a verdade, Dinah, já comeste um morcego?”
Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. “Quem sou eu no mundo?” Essa indagação perplexa é o lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares esta charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta. O importante é dar ou inventar uma resposta, ainda que seja mentira.
A sozinhez ( esquece essa palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: “Estou tão cansada de estar aqui sozinha!” O importante é que ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta bem fechada e vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.
Somos todos tão bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial e temos a presunção petulante de esperar dela grandes consequências. Quando Alice comeu o bolo, e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso o que acontece, geralmente, às pessoas que comem bolo.
Maria, há uma sabedoria social, ou de bolso: nem toda sabedoria tem de ser grave.
A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir desculpas sete vezes por dia. Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo, para a tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto de vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice: “Gostarias de gatos se fosses eu?”
Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política, nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados, todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículas, muitas vezes, por caminhos tão escondidos que quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: “A corrida terminou! Mas quem ganhou?” É bobice, Maria da Graça, apostar uma corrida se a gente não irá saber quem venceu. Se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupe a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se chegares sempre aonde quiseres, ganhaste.
Disse o ratinho: “Minha história é longa e triste!” Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: “Minha vida daria um romance”. Ora, como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois o romance é só o jeito de contar uma vida, foge, polida mas energicamente, dos homens e das mulheres que suspiram e dizem: “Minha vida daria um romance!” Sobretudo dos homens. Uns chatos irremediáveis, Maria.
Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: “Devo estar diminuindo de novo”. Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.
E escuta esta parábola perfeita: Alice tinha diminuído tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e de rinocerontes que parecem camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçado de camundongo. E como tomar o pequeno por grande e o grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom humor.
Toda pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para o humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim uma caixinha preciosa, muito escondida, para as grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.
Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com uma tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso, Alice depois de ter chorado um lago, pensava: “Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas”.
Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida. É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça.

Paulo Mendes Campos

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Lo lee ta.

Lolita, light of my life, fire of my loins.
My sin, my soul.
Lo-lee-ta: the tip of the tongue taking a trip of three steps down the palate to tap, at three, on the teeth.
Lo-lee-ta.
She was Lo, plain Lo, in the morning, standing four feet ten in one sock.
She was Lola in slacks.
She was Dolly in school.
She was Dolores on the dotted line.
But in my arms she was always Lolita.

Vladimir Nabokov

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

it's all about me

this is about who i am and what i want it's not about who you are and what you want.
you always think everything i write is about you but it's not.
it's all about me.
so don't get upset and say that i misunderstand you because it's not your words i'm writing it's mine.
i don't care about you and i don't care what you want - just shut up and listen.
and i'll leave some space at the end so you can write who you are and what you think you want.
at times i may write about my feelings towards you and what i think about you - but don't get excited it's still about me and how i feel - i'm just trying to make you understand.

who i am and what i want
david shrigley

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

As ferraduras do velho babão

Eu tinha talento, tenho talento. Às vezes olhava minhas mãos e compreendia que podia ter sido um grande pianista. Mas o que tinham feito minhas mãos? Coçado o saco, preenchido cheques, amarrado cadarços, puxado descargas de banheiro, etc. Desperdicei minhas mãos. E minha mente.

Andei até a livraria me sentindo meio deprimido. O homem nascia para morrer. O que significava isso? Ficar por ai esperando. Esperando o “Trem A”. Esperando um par de peitões numa noite de julho num quarto de hotel da esquina. Esperando o rato cantar. Esperando a cobra criar asas. Por aí.

Aquela não era ela. Ou talvez tivesse descoberto um método de vencer o processo de envelhecimento. Era só ver os astros do cinema; tiravam a pele do rabo e grudavam na cara. A pele do rabo era a última a enrugar-se. Andavam todos, nos últimos anos de vida, com caras de bunda. Ela faria isso? Quem queria viver até os 102 anos? Só um idiota. Por que ela desejaria ficar? Toda aquela coisa era maluca. Dona morte era maluca. Eu era maluco. Os pilotos das companhias aéreas eram malucos. Nunca se deve olhar para o piloto. Só embarcar e pedir bebida.

Ela perguntou o que eu faria por ela.
- Bem, mataria minha baratinha de estimação por você, daria uma surra em minha mãe se ela estivesse aqui, eu...
Olhei em volta, procurei uma mosca pra matar.
- Bom, então o que está esperando, a última rosa do verão?
Um detetive sem um ferro é como um garanhão de camisinha. Ou como um relógio sem ponteiro.
- Você ficou louca?
- Quem sabe? A insanidade é relativa. Quem estabelece a norma?

Do lado de fora, atravessei decidido a poluição. Tinha os olhos castanhos, os sapatos velhos e ninguém me amava. Mas tinha coisas a fazer.

Tampei a garrafa, guardei-a de volta na gaveta e pensei no que ia fazer em seguida. Um homem como eu tem sempre coisas a fazer. A gente vê no cinema.
Uma batida da porta. Não, foram cinco batidas uma atrás da outra. Batidas insistentes. Sempre faço uma leitura das batidas. Às vezes, quando a leitura é ruim, não atendo.

Começava a me sentir estranho. Qual era o problema? Estaria a dama me excitando? Ela tinha intestinos como todo mundo. Tinha pêlos nas narinas. Cera nas orelhas. Qual era a grande coisa? Por que o pára-brisa ondulava à minha frente como uma grande onda? Devia ser a ressaca. Vodca com cerveja para rebater. A gente tinha de pagar. O bacana em tomar um porre, porém, era que nunca se tinha prisão de ventre. Às vezes eu pensava em meu fígado, mas ele jamais se manifestava, jamais dizia: “Pára com isso, está me matando e eu vou te matar!”. Assim como meu peito. Meu peito carregava uma bomba que não tinha contagem regressiva. Ela simplesmente explodia. E naquele dia, ela explodiu como um meteoro.
Por isso eu bebia mais. Se a gente tivesse fígados ou corações que falassem, não existiriam os fracassados.

Senti-me introspectivo.
Decidi não fazer mais nada nesse dia.
A vida consumia a gente, consumia mesmo.
Amanhã seria um dia melhor.

No outro dia eu passava mal. Uma fisgada do lado esquerdo do peito.
Estou tendo um ataque cardíaco, pensei. Mas não, aquela fisgada se chamava “falta”.
Ainda não existe a solução pra isso, mas se existisse seria um tubo que suga toda falta pela garganta. Eu colocaria tudo aquilo num pote e olharia, pra lembrar de jogar fora o recheio do amor.

Eu sentia que chegava perto de alguma coisa. Uma coisa bem grande. Tirei a mão do bolso e peguei o celular. Depois larguei de novo. Pra quem diabos eu iria ligar? E eu já sabia que horas eram. Eu tinha de pensar. Tentei pensar. Uma mosca se arrastava na mesa. Enrolei uma revista e dei-lhe uma porrada; errei. Não era o meu dia. Nem minha semana. Nem meu mês. Nem meu ano. Nem minha vida. Porra.

À noite do mesmo dia, eu oscilava. Eu mudava de hora em hora.

Sai daquela casa e de repente me sentia melhor em relação a tudo. O primeiro vagabundo que me abordou ganhou um real. Ao segundo eu disse que acabara de dar um real ao outro vagabundo. Terceiro vagabundo, mesma coisa. Nem o ar estava poluído naquele dia. Eu avançava com determinação. Já decidira sobre o almoço. Macarrão ao molho branco. Meus pés pareciam bonitos andando na calçada.

Tudo o que posso dizer é que existem bilhões de mulheres no mundo, certo? Algumas bem vistosas. Muitas muito bonitas. Mas de vez em quando a natureza nos sai com um truque bestial, reúne todos os atributos numa mulher especial, uma mulher inacreditável. Quer dizer, a gente olha e não acredita. Tudo se move em perfeita ondulação, mercúrio, serpente, a gente vê umas cadeiras, um cotovelo, uns peitos, um joelho, e tudo se funde numa unidade gigantesca, um todo inesquecível. Aqueles olhos lindíssimos a sorrir, os lábios imóveis como prontos para estourar uma gargalhada, pela sensação de impotência da gente. E elas sabem se vestir, e o cabelo longo incendeia o ar. Tudo demais, porra.

Fiquei sentado na cama, tentando não me mexer. Não queria que aquela ansiedade chegasse de novo. Tinha tempo de pensar na minha carreira. Talvez estivesse na profissão errada. Mas era tarde demais pra começar qualquer outra coisa. Finalmente me mexi. Ainda tinha forças pra levar o copo de água aos lábios. Esvaziei-o. Joguei-o no chão. Fiquei esperando o sono chegar. Ouvi gritos lá fora e percebi que estava tudo bem com o mundo. Em cinco minutos, dormia como uma pedra.

Levantei-me e fui ao banheiro. Me dava raiva olhar o espelho, mas olhei assim mesmo. Vi depressão e derrota. Bolsas escuras caídas sob os olhos. Olhinhos covardes; os olhos do rato acuados pelo puto do gato. A pele aparecia que nem tentava, que odiava fazer parte de mim. As sobrancelhas caíam retorcidas, pareciam dementes, dementes pêlos de sobrancelhas. Horrível. Uma aparência repugnante. Então fui escovar os dentes. Dentes. Tínhamos de comer. E comer e comer e comer de novo. Éramos todos repugnantes, condenados aos nossos trabalhinhos sujos. Comer e peidar e se coçar e sorrir e festejar nos feriados. Terminei de escovar e voltei pra cama. Decidi ficar até o meio-dia. Talvez metade do mundo estivesse morta e ele seria metade menos difícil de enfrentar. Aí o celular tocou. Deixei tocar. Nunca atendia ao celular na parte da manhã. Tocou duas vezes e parou. Eu estava sozinho comigo mesmo. E, por mais repugnante que fosse, era melhor do que estar com alguém, qualquer um, todos lá fora fazendo seus pequenos truques e piruetas. Puxei as cobertas até o pescoço e esperei.

Fui a uma psicóloga. Esperei, esperei. Esperamos e esperamos. Todos nós. Não saberia a psicóloga que a espera é uma das coisas que fazem as pessoas ficarem loucas? Esperavam pra viver. Esperavam pra morrer. Esperavam pra comprar papel higiênico. Esperavam na fila pra pegar dinheiro. E, se não tinham dinheiro, precisavam esperar em filas mais longas. A gente tinha de esperar pra dormir e esperar pra acordar. Tinha de esperar pra se casar e esperar pra se separar. Esperar pela chuva e esperar pelo sol. Esperar pra comer e esperar pra comer de novo. A gente tinha de esperar na sala de espera de uma psicóloga, e começava a pensar se não estava ficando triste também.

As encrencas e a dor é que mantém a gente vivo. Um trabalho de tempo integral. E às vezes nem dormindo dá pra descansar. No meu último sono, eu me via embaixo de um elefante, não podia me mexer e ele soltava um dos maiores cagalhões que eu já vira, já ia cair, e aí meu gato, Hamburguer, passou por cima da minha cabeça e eu acordei. Se a gente contar esse sonho a uma psicóloga, ela vai tirar uma conclusão horrível. Pois se a gente lhe paga o salário, ela vai dar um jeito pra que a gente se sinta mal, pra que a gente a sustente pro resto da vida. Vai dizer que o cagalhão é um sinal e que a gente está assustado ou que deseja aquilo. É só um sonho sobre um grande cagalhão de elefante, nada mais. Às vezes as coisas são apenas o que aparecem ser, sem nada demais. O melhor intérprete de um sonho é o próprio sonhador. Guarde o seu dinheiro no bolso. Ou aposte num bom cavalo.

- Você é uma filósofa medíocre. – Ela disse.
- Pra mim, eu sou perfeito. – Respondi.
- A gente vive de ilusões. – Ela disse.
- E qual o problema? O que é que tem de pior por aí? – Eu perguntei.
- O fim das ilusões. – Ela respondeu.

Me sentia esquisito. Como se nada tivesse importância, sabe como é?
Ela aqui ou ela lá. O jogo me cansou. Perdeu a graça pra mim. A existência era não só absurda, era simplesmente trabalho pesado. Pense em quantas vezes a gente veste roupa de baixo durante toda a vida. É surpreendente. É estúpido.

Então ouvi a sirene de uma ambulância. Estava aliviado.
Quando a gente não ouve, a sirene é pra gente.

Passei a pensar em soluções pra vida. As pessoas que resolviam as coisas em geral tinham muita persistência e um pouco de sorte. Se a gente persistisse o bastante, a sorte em geral chegava. Mas a maioria das pessoas não podia esperar, por isso desiste.

Na verdade, me dava vontade de deitar em algum lugar e dormir umas duas semanas. O jogo estava me cansando. Um dado momento havia uma certa emoção. Não muita, mas alguma. Você não vai querer ouvir. Amante rejeitado três vezes. Nada pra fazer além de curar corações aflitos que ninguém cura. Não pelo preço que eu cobro.

Tinha os olhos castanhos, os sapatos velhos e ninguém me amava. Com exceção de mim mesmo.

Bom, o jogo não funcionou. Todo mundo estava fodido. Não havia vencedores. Só vencedores aparentes. Todos nós corríamos atrás de nada. Dia após dia. Sobreviver parecia a única necessidade. Não parecia o bastante.

A vida estava chata. Me senti oprimido, gasto. Os pés doíam.

Quase bati o carro outro dia. Ouvi buzinas e alguém me chamando de babaca. Essa gente não tem originalidade.

Todo mundo está certo e errado, e de pernas pro ar. A verdade é que as pessoas se prendem. Uma vez que corta o cordão umbilical, a gente se prende a outras coisas. Vistas, som, sexo, miragem, mães, masturbação, assassinato e ressaca de segunda-feira.

Comecei a pensar em outro trabalho. Ali estava eu, prestes a me deixar levar de novo, e francamente, não tinha nenhum gosto por isso. Só esperando o último dia ou a última noite. Contando tempo. Que merda. Eu daria um grande filósofo. Diria a todo mundo como somos tolos, zanzando por aí a sugar ar pra dentro e pra fora dos pulmões.

Tomei um copo d’água. E tomei a liberdade de me sentir bem. Por enquanto.

Fui a um restaurante outro dia. O garçom apareceu. Cara de solitário. Não tinha sobrancelha nenhuma. Um tipo maluco. Não havia como evitá-los. A maior parte do mundo estava doida. E a parte que não era doida era furiosa. E a parte que não era doida nem furiosa era apenas idiota. Eu não tinha chance. Só agüentar e esperar pelo fim. Era trabalho duro.

A Terra. Poluição, violência, ar envenenado, água envenenada, comida envenenada, o ódio, a impotência, tudo. A única coisa bonita na Terra são os animais, e já estão sendo dizimados, cedo estarão extintos, com exceção dos cavalos e ratos de estimação. É tão triste, não admira que eu beba tanto.

Frequentemente, os melhores momentos da vida são quando a gente não está fazendo nada, só meditando, ruminando. Quer dizer , a gente pensa que todo o mundo é sem sentido, ai vê que não pode ser tão sem sentido assim se a gente percebe que é sem sentido, e essa consciência de falta de sentido já é quase um pouco de sentido. Sabe como é? Um otimismo pessimista.

Era hora de recapitular, recapitular pra mim mesmo. Afinal de contas, eu tinha feito tudo o que havia me proposto na vida. Dera os passos certos. Não dormia na rua. Claro, havia um bocado de gente boa dormindo nas ruas. Não eram idiotas, apenas não se encaixavam na maquinaria necessária no momento. E essas necessidades viviam mudando. Era uma luta desigual, e se a gente dormia na própria cama já era uma vitória preciosa contra as forças. Eu tive sorte, mas em alguns dos passos que dera não os dera inteiramente sem pensar. Em geral, porém, em um mundo horrível, e eu muitas vezes me sentia triste pelos outros.

- Tenho medo de você, é muito agressivo. – Ela disse.
- Mas você mesma viu que ela está me matando. – Eu disse.
- Na certa não tinha essa intenção. – Ela disse.
- A gente não vai nos “na certa” quando se trata de amor e armas.

Eu falhei com o amor. Nada realmente errado de cada vez. Tudo destruído por briguinhas bestas. Implicâncias por nada. Sentir ódio por tudo e por nada. Dia a dia, ano a ano, ralando. Em vez de se ajudar um ao outro, a gente se cortava todos os dias, por uma coisa e outra. Uma aporrinhação infindável. Torna-se uma competição barata. E, uma vez que a gente entra, vira um hábito. Parece que não vai conseguir sair. E de repente, sai. Completamente.
Portanto, agora, ali estava eu. Sentado ouvindo a chuva. Se eu morresse agora, ninguém verteria uma lágrima em todo o mundo. Não que eu precisasse disso. Mas é estranho. Até onde um trouxa pode ficar solitário? Mas o mundo estava cheio de velhos rabugentos como eu. Sentados ouvindo a chuva e pensando para onde foi todo mundo. Aí é que a gente sabe que está velho, quando fica pensando pra onde foi todo mundo.

Me sentia insatisfeito e, francamente, meio com medo de tudo. Não estava indo a lugar nenhum nem o resto do mundo. Estávamos todos rondando por aí, à espera da morte, e enquanto isso fazendo coisinhas pra encher o tempo. Alguns nem faziam coisinhas. Eram vegetais. Eu era um deles. Não sei que tipo de vegetal. Me sentia um nabo. Coloquei uma música, acendi um cigarro e fiquei fingindo que sabia o que diabos estava acontecendo.

Tinha uma tendência a me preocupar quando não havia nada com o que se preocupar. E quando havia alguma preocupação real eu tomava um porre.

Gente chata da porra. A Terra está cheia deles. Propagando mais gente chata. Um espetáculo de horror . A Terra botando chatos pelo ladrão.

Eram dez horas da noite. A lua estava cheia e minha vida não tinha sentido.
De alguma forma aquela coisa pequena me fez sentir bem. Eu era de fácil agradar. O resto do mundo é que era o problema.

Pulp
Charles Bukowski

domingo, 4 de julho de 2010

Filó, a fadinha lésbica

Ela era gorda e miúda.
Tinha pezinhos redondos.
A cona era peluda
Igual à mão de um mono.
Alegrinha e vivaz
Feito andorinha
Às tardes vestia-se
Como um rapaz
Para enganar mocinhas.
Chamavam-lhe "Filó, a lésbica fadinha".
Em tudo que tocava
Deixava sua marca registrada:
Uma estrelinha cor de maravilha
Fúcsia, bordô
Ninguém sabia o nome daquela cô.
Metia o dedo
Em todas as xerecas: loiras, pretas
Dizia-se até...
Que escarafunchava bonecas.
Bulia, beliscava
Como quem sabia
O que um dedo faz
Desde que nascia.
Mas à noite... quando dormia...
Peidava, rugia... e...
Nascia-lhe um bastão grosso
De início igual a um caroço
Depois...
Ia estufando, crescendo
E virava um troço
Lilás
Fúscia
Bordô
Ninguém sabia a cô do troço
da Fadinha Filó.
Faziam fila na Vila.
Falada "Vila do Troço".
Famosa nas Oropa
Oiapoc ao Chuí
Todo mundo tomava
Um bastão no oiti.
Era um gozo gozoso
Trevoso, gostoso
Um arrepião nos meio!
Mocinhas, marmanjões
Ressacadas velhinhas
Todo mundo gemia e chorava
De pura alegria
Na Vila do Troço.
Até que um belo dia...
Um cara troncudão
Com focinho de tira
De beiço bordô, fúscia ou maravilha
(ninguém sabia o nome daquela cô)
Sequestrou Fadinha
E foi morar na ilha.
Nem barco, nem ponte
O troncudão nadando feito rinoceronte
Carregava Fadinha.
De pernas abertas
Nas costas do gigante
Pela primeira vez
Na sua vidinha
Filó estrebuchava
Revirando os óinho
Enquanto veloz veloz
O troncudão nadava.
A Vila do Troço
Ficou triste, vazia
Sorumbática, tétrica
Pois nunca mais se viu
Filó, a Fadinha lésbica
Que à noite virava fera
E peidava e rugia
E nascia-lhe um troço
Fúscia
Lilás
Maravilha
Bordô
Até hoje ninguém conhece
O nome daquela cô.
E nunca mais se viu
Alguém-Fantasia
Que deixava uma estrela
Em tudo que tocava
E um rombo na bunda
De quem se apaixonava.

Moral da estória, em relação à Fadinha:
Quando menos se espera, tudo reverbera.

Moral da estória, em relação ao morador
da Vila do Troço:
Não acredite em fadinhas.
Muito menos com cacete.
Ou somem feito andorinhas
Ou te deixam cacoetes.

Bufólicas
Hilda Hilst

sábado, 3 de julho de 2010

O casamento do Não (65)

Na galáxia teatral do Não, destaca-se, com luz própria, ao lado da obrazinha de Manieri, El no, a última peça teatral escrita por Virgilio Piñera, o grande escritor cubano.
Em El no, obra estranha e até muito pouco tempo inédita - foi publicada no México pela editora Vuelta -, Piñera nos apresenta um casal de namorados que decidem não se casar jamais.
O princípio essencial do teatro de Piñera foi sempre apresentar o trágico e o existencial por meio do cômico e do grotesco. Em El no leva até as últimas consequências seu sentido do humor mais negro e subversivo: o não do casal - em óbvia oposição ao tão batido "sim" dos casamentos cristãos - outorga-lhe uma consciência minúscula, uma diferença culpada.
No exemplar que possuo, o prefaciador, Ernesto Hernández Busto, comenta que, com um magistral jogo irônico, Piñera coloca os protagonistas da tragédia cubana em uma representação da hybris às avessas: se os clássicos gregos concebiam um castigo divino para o exagero das paixões e para o afã dionisíaco do excesso, em El no os personagens principais "passam dos limites" no sentido oposto, violam a ordem estabelecida a partir do extremo contrário ao do desenfreio carnal: um ascetismo apolíneo é o que os transforma em monstros.
Os protagonistas da obra de Piñera dizem não, negam-se categoricamente ao sim convencional. Emília e Vicente praticam uma negativa obstinada, uma ação mínima que, no entanto, é a única coisa que possuem para poder ser diferentes. Sua negativa coloca em funcionamento o mecanismo justiceiro da lei do sim, representado primeiro pelos pais e depois por homens e mulheres anônimos. Pouco a pouco, a ordem repressiva da família vai se ampliando ao ponto em que, no fim, intervém até mesmo a polícia, que se dedica a uma "reconstrução dos fatos" que terminará com a declaração de culpabilidade dos noivos que se negam a se casar. No fim, decreta-se o castigo. É um desfecho genial, próprio de um Kafka cubano. É uma grande explosão do não em seu maravilho precipício subversivo:
HOMEM: Dizer não agora é fácil. Veremos em um mês (pausa). Além disso, à medida que a negativa se multiplicar, tornaremos mais longas as visitas. Chegaremos a passar as noites com vocês, e é provável, depende de vocês, que nos instalemos definitivamente nesta casa. Diante dessas palavras, o casal decide se esconder.
- Que você acha desse joguinho? - pergunta Vicente a Emília.
- É de arrepiar os cabelos - responde ela.
Decidem esconder-se na cozinha, sentar-se no chão, bem abraçados, abrir a torneira do gás, e que os casem, se puderem!

Bartleby e companhia
Enrique Vila-Matas

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O curioso caso de Paranoico Pérez (60)

Paranoico Pérez nunca conseguiu escrever um livro, porque sempre que tinha alguma ideia para um e se dispunha a fazê-lo, Saramago o escrevia antes dele. Paranoico Pérez acabou transtornado. Seu caso é uma variante interessante da síndrome de Bartleby.
- Escute, Pérez, e o livro que estava preparando?
- Não o farei mais. Outra vez Saramago roubou-me a ideia.
Paranoico Pérez é um admirável personagem criado por Antonio de la Mota Ruiz, jovem autor da cidade de Santander que acaba de publicar seu primeiro livro, um volume de contos intitulado Guía de lacónicos, obra que passou um tanto despercebida e que, apesar de ser um conjunto irregular de narrativas, não me arrependo de ter comprado e lido, pois ele me trouxe a surpresa e o ar fresco desse conto protagonizado por Paranoico Pérez e que se chama "Iba siempre delante y era extraño, extrañito", o último do volume e provavelmente o melhor, embora seja um conto um tanto desordenado, ou, caso se prefira, bastante imperfeito; mas não é nada descartável, ao menos para mim, a figura desse curioso bartleby inventado pelo autor.
O conto transcorre inteiramente na Casa de Saúde de Cascais, no manicômio dessa cidade perto de Lisboa. Na primeira cena vemos o narrador, Ramón Ros - um jovem catalão criado em Lisboa -, passeando tranquilamente com o doutor Gama, a quem foi visitar para fazer uma consulta sobre a "psiconeurose intermitente". De repente, chama a atenção de Ramón Ros a súbita aparição, entre os loucos, de um jovem muito alto, imponente, de olhar vivo e arrogante, que a direção da Casa permite andar disfarçado de senador romano.
- É melhor não contrariá-lo e deixar que ande assim. Coitado!
Acredita que está vestido de personagem de um futuro romance - diz o doutor Gama, um tanto enigmático.
Ramón Ros pede que o apresente ao louco.
- Como? Você quer conhecer Paranoico Pérez? - pergunta-lhe o doutor.
Toda a narrativa, toda a história de "Iba siempre delante y era extraño, extrañito", é a transcrição fiel, por parte de Ramón Ros, de tudo o que lhe conta Paranoico Pérez.
"Enfim, ia escrever meu primeiro romance", começa contando-lhe Paranoico, "uma história em que eu estivera trabalhando arduamente e que transcorria inteira, inteirinha, naquele grande convento que há na estrada de Sintra, ia dizer de Sintrita, quando de repente, ante minha absoluta perplexidade, vi um dia, nas vitrinas das livrarias, um livro assinado por um tal de Saramago, um livro intitulado Memorial do convento, ai mãe, mãezinha minha...".
Paranoico Pérez, inclinado a incluir diminutivos em tudo o que conta, vai debulhando sua história, explica como ficou gelado, cheio de temores que logo confirmou quando viu que o romance de Saramago era "espantosamente igual, mas igualzinho", àquele que havia planejado escrever.
"Fiquei surpreso", prossegue Paranoico, "bem surpresinho e sem saber o que pensar de tudo aquilo, até que um dia ouvi alguém dizer que às vezes há históia que nos chegam em forma de voz, uma voz que fala em nosso interior e que não é a nossa, não é a nossazinha. Disse-me que essa era a melhor explicação que pudera encontrar para entender o fato tão insólito que havia ocorrido comigo, disse-me que era muito provável que tudo o que eu havia planejado para meu romance tivesse sido transferido, em forma de voz interior, à mente do senhor Saramago...".
Pelo que vai contando Paranoico Pérez, tomamamos conhecimento de que ele, recuperado da crise que lhe sobreveio após o estranho acontecimento, começou a pensar alegremente em outro romance e planejou com minúcias uma história que seria protagonizada por Ricardo Reis, o heterônimo de Fernando Pessoa. Naturalmente, foi grande a surpresa de Paranoico quando, ao se dispor a redigir sua história, apareceu nas livrarias O ano da morte de Ricardo Reis, o novo romance de Saramago.
"Ia sempre adiante e era estranho, estranhozinho", comenta Paranoico com o narrador, referindo-se, é claro, a Saramago. E pouco depois lhe conta que, quando dois anos mais tarde apareceu A jangada de pedra, ele ficou petrificado diante do novo livro de Saramago, pois se lembrou de que tivera, fazia tão somente uns, um sonho e posteriormente uma ideia muito parecida, parecidinha, com a que de desenrolavanaquele novo livro do escritor que tinha o mau hábito de antecipar-se daquela forma tão insistente e esquisita, tão esquisitinha.
Os amigos de Paranoico começaram a rir dele e a dizer-lhe que procurasse desculpas mais convincentes para justificar por que não escrevia. Seus amigos passaram a chamá-lo de paranoico quando ele os acusou de dar informações a Saramago. "Nnunca mais vou lhes contar nenhum dos planos que eu tenha para escrever um romance. Depois, vocês vão e contam tudo a esse Saramago.", disse-lhes. E eles, é claro, riam.
Um dia, Paranoico, vencendo sua timidez, escreveu uma carta a Saramago em que, depois de se interessar pela tema de seu próximo romance, concluía advertindo-o de que pensava em tomar sérias medidas assassinas se seu livro seguinte transcorresse, como o que ele já havia pensado, na cidade de Lisboa. Quando apareceu História do cerco de Lisboa, o novo romance de Saramago, plantou-se diante da casa deste vestido de senador romano. Em uma das mãos levava uma faixa na qual manifestava sua grande satisfação por ter-se transformado em um personagem vivo daquele que seria o romance seguinte de Saramago. Porque Paranoico, que acabava de imaginar uma história sobre a decadência do Império Romano, estava convencido de que Saramago já lhe havia roubado a ideia e escrevia sobre o mundo dos senadores daquela Roma agonizante.
Vestido como personagem do futuro romance de Saramago, Paranoico queria apenas demonstrar ao mundo que conhecia perfeitamente o romance secreto que Saramgo estava preparando.
- Já que não me deixa escrever - disse a alguns jornalistas que se interessaram por seu caso -, ao menos que me deixe ser um personagem vivo de seu futuro romance.
"Colocaram-me em um manicômio", contou Paranoico a Ramón Ros, "que se há de fazer? Não acreditam em mim, acreditam em Saramago, que é mais importante. Assim é a vida."
Paranoico comenta isso, e a narrativa começa a chegar ao fim. Cai a noite, diz-nos o narrador. É uma noite única, esplêndida. A lua estava localizada de tal modo sobre os arcos do jardim da Casa de Saúde que bastaria esticar a mão para pegá-la. O narrador põe-se a olhar a lua e acende um cigarro. Os enfermeiros começam a levar Paranoico. Ao longe, fora da Casa de Saúde, ouve-se o latido de um cão. O narrador, sem nenhuma relação - parece-me -, lembra-se daquele rei da Espanha que morreu uivando para a lua.
Portanto, Paranoico revela outro caso de síndrome de Bartleby. Aquela de que sofre o mesmíssimo Saramago.
"Embora não seja vinagtivo", conclui Paranoico, "sinto uma alegria infinita ao ver que, desde que lhe deram o prêmio Nobel, já conta com catorze doutorados honoris causa e ainda o esperam muito mais. Isso o mantém tão ocupado que não escreve mais nada, renunciou à literatura, tornou-se um ágrafo. Fico muito satisfeito de ver que, ao menos, fez-se justiça e souberam castigá-lo...".

Bartleby e companhia
Enrique Vila-Matas

domingo, 6 de junho de 2010

A arte da negativa (12) - Hart Crane

(...)

Quanto a Hart Crane, é preciso dizer, em primeiro lugar, que nasceu em Ohio, filho de um rico industrial, e que, quando menino, foi muito afetado pela separação dos pais, motivo de uma profunda ferida emocional que o levou a tocar sempre as raias da loucura.
Acreditou ver na poesia a única saída possível para seu drama e, durante um tempo, encharcou-se de leituras poéticas, chegou-se a dizer que tinha lido toda a poesia do mundo. Daí talvez proceda a máxima exigência que ele determinava a si mesmo para abordar a própria obra poética. Perturbou-o muito o pessimismo cultural que viu em A terra desolada, de T. S. Eliot, e que, para ele, levava a lírica mundial a um beco sem saída precisamente no espaço, o da poesia, em que havia vislumbrado o único ponto de fuga possível para sua dramática experiência de filho de pais separados.
Escreveu A ponte, poema épico com que obteve inumeráveis elogios, mas que, devido a seu nível de autoexigência, não o satisfez, pois pensava poder chegar, em poesia, a cumes muito mais altos.
Foi quando decidiu viajar ao México com a ideia de escrever um poema épico como A ponte, mas com profundidade maior, já que desta vez o tema escolhido era Montezuma. No entanto, a figura desse imperador (que logo lhe pareceu excessiva, descomunal, totalmente inatingível para ele) acabou provocando-lhe sérios transtornos mentais que o impediram de escrever o poema e o levaram à convicção - a mesma que, sem saber, Franz Kafka havia tido anos antes - de que a única coisa sobre a qual se podia escrever era algo muito deprimente; disse a si mesmo que só era possível escrever sobre a impossibilidade essencial da escrita.
Uma tarde, embarcou em Veracruz rumo a Nova Orleans. Embarcar significou para ele renunciar à poesia. Nunca chegou a Nova Orleans, desapareceu em pleno Golfo do México. O último a vê-lo foi John Martin, um comerciante de Nebraska que esteve falando com ele sobre assuntos triviais, no convés do barco, até que Crane proferiu o nome de Montezuma e seu rosto assumiu um alarmante ar de homem humilhado. Tentando dissimular seu repentino aspecto sombrio, Crane mudou imediatamente de assunto e perguntou se era verdade que havia duas Nova Orleans.
- Que eu saiba - disse Martin -, existe a cidade moderna e a que não é.
- Eu irei à moderna para dali caminhar ao passado - disse Crane.
- Gosta do passado, senhor Crane?
Não respondeu à pergunta. Ainda mais sombrio do que alguns segundos antes, afastou-se lentamente dali. Martin pensou, se voltasse a encontrá-lo no convés, tornaria a perguntar se ele gostava do passado. Mas não tornou a vê-lo, ninguém mais viu Crane, perdeu-se nas profundezas do Golfo. Quando desembarcaram em Nova Orleans, Crane já não estava, já não estava nem para a arte da negativa.

Bartleby e companhia
Enrique Vila-Matas

sábado, 8 de maio de 2010

Por Holden Caulfield

Depois que acabou o negócio do Natal começou a porcaria da fita. Era tão ruim que eu nem pude despregar os olhos da tela. Era sobre um camarada inglês, Alec qualquer coisa, que vai para a guerra e perde a memória no hospital e tudo. Depois sai do hospital de bengala e mancando por tudo quanto é lado, por Londres toda, sem saber quem é ou onde está. Na verdade, ele é um duque, mas não sabe de nada. Aí encontra num ônibus uma garota boazinha, caseira e sincera pra chuchu. A droga do chapéu dela cai e ele apanha e, depois que sobem, começam a conversar sobre Charles Dickens. É o escritor predileto dos dois e tudo. Ele está com o "Oliver Twist" debaixo do braço e ela também. Quase vomitei. De qualquer forma, se apaixonam de estalo, só porque os dois são tarados pelo Charles Dickens, e ele vai ajudá-la a dirigir uma editora. A moça é editora. Só que o negócio não está indo bem, porque o irmão dela é porrista e mete o pau no dinheiro todo. Era um camarada amargo pra diabo, o irmão; ele era médico, mas depois da guerra não podia mais operar porque ficou com os nervos em pandarecos. Por isso vivia enchendo a cara, mas era muito espirituoso e tudo mais. Seja como for, o tal do Alec escreve um livro, a moça publica e os dois ganham um caminhão de dinheiro. Estão com tudo pronto pra casar, quando aí aparece uma tal de Márcia. A Márcia era noiva do Alec antes dele perder a memória, e o reconhece quando ele está na loja autografando o livro. Ela diz ao Alec que ele é Duque, mas ele não acredita e não quer ir com ela visitar a mãe dele e tudo. A velhinha é cega como um morcego. Mas a outra garota, que é muito mais simples, manda ele ir. Ela é muito altruísta e tudo mais. Aí ele vai. Mas nem assim recupera a memória, nem quando o cachorro dinamarquês pula em cima dele, e a mãe passa os dedos pelo rosto dele todo e traz o ursinho que ele carregava para todo lado quando era menino. Então, um dia, uns garotos estão jogando críquete no parque e ele leva uma bolada na cabeça. Aí, na mesma hora, ele recupera a droga da memória e vai lá dentro beijar a testa da mãe e tudo. E começa a ser um duque normal, e se esquece da garota boazinha que tem a editora. Eu podia contar o resto da estória, se não me desse tanta vontade de vomitar. Não que eu fosse estragar o filme para ninguém nem nada. No duro, não há o que estragar. De qualquer forma, acaba com o Alec e a garota boazinha se casando, e o irmão que é porrista fica bom dos nervos e opera a mãe do Alec, restituindo-lhe a visão, e aí o irmão beberrão e a Márcia se apaixonam. Termina todo mundo numa baita mesa de jantar, rindo como uns idiotas porque o dinamarquês entra com uma ninhada de cachorrinhos. Acho que todo mundo pensava que o cachorro era macho ou qualquer droga parecida. Só sei dizer que, quem não quiser vomitar até morrer, não deve nem entrar no cinema quando estiver passando essa fita.

O apanhador no campo de centeio
J. D. Salinger

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Um poema para a velha dente-podre

Conheço uma mulher
que segue comprando quebra-cabeças
quebra-cabeças
chineses
blocos
arames
peças que finalmente se encaixam
numa espécie de ordem.
Ela se dedica à questão
de modo matemático
resolve todos os seus
quebra-cabeças
vive perto do mar
põe açúcar para as formigas lá fora
e acredita
definitivamente
num mundo melhor.
Seu cabelo é branco
raramente o penteia
seus dentes são podres
e ela veste macacões frouxos
e amorfos sobre um corpo que a maioria
das mulheres desejaria ter.
Ao longo de muitos anos ela me irritou
com o que eu considerava suas
excentricidades:
como mergulhar conchas na água
(para que ao regar as plantas elas
recebessem cálcio).
Mas finalmente quando penso na sua
vida
e comparo a outras vidas
mais deslumbrantes, originais
e belas
percebo que ela machucou menos
gente do que qualquer outra pessoa que conheço
(e com machucar quero dizer simplesmente machucar).
Ela enfrentou alguns momentos terríveis,
momentos em que talvez eu devesse tê-la
ajudado mais
porque era a mãe da minha única
filha
e uma vez fôramos grandes amantes,
mas ela havia superado essas dificuldades
como eu disse
das pessoas que conheço ela foi a que machucou
menos gente,
e se você olhar pra isso pelo que isso significa,
bem,
ela criou um mundo melhor.
ela venceu.

Frances, este poema é pra você.

Charles Bukowski

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Gigante

Eu menti. Me chamo Amélia. Mas poderiam me chamar Angélica, ou Maria, ou Joaquina, ou Antônia, ou até mesmo Zoraide, o nome não importa. E se José fosse o nome escolhido, será que ainda assim não importaria? De que adianta pensar nisso agora? Já me peguei com essa pergunta atravessada inúmeras vezes, mas a resposta tem sido sempre a mesma (para saber como seria se me chamasse Maria, só me chamando Maria) e isso me irrita. Não me servem de nada as divagações porque vivo presa num fato que é irrefutável: Amélia. Quando me chamam de Amélia, meu corpo responde automaticamente, identifica o som que é ligado pelo meu cérebro instantaneamente à imagem: eu. O fato de me chamarem Amélia me define. A ideia do definitivo me assusta. Responder por Amélia significa agir como tal.

Hoje ela chorou por colo.
Ela só queria encostar.

Era amor grande demais.
Imenso.
Gigante.
Amor grande daquele,
só podia caber dentro dela.
E só ela aguentaria a dor
de ver grande amor daquele,
gigante,
imenso,
virando pó.

Ela continua pagando pra ver o invisível.

[Meu médico me receitou champanhe gelado.
E gelo nas têmporas.]

Ela gostaria de não ter se esquecido das cores e das coisas.
Ela não tinha pé, perdeu a mão e saiu meio sem nada.
Saiu de casa procurando a solidão como quem procura alguém.
Saiu cantando um trechinho de uma música sem melodia.
(...) um sucesso de um fracasso
um osso dando um passo
rumo ao amor
mais falso
do mundo (...)

Tinha um sol inteiro pra ela.

Como se puni quem não se arrepende? - Ela pensava.

Mesmo quando foge de casa, Amélia volta pra arrumar a bagunça que deixou pra trás.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Noite de festa

(...)

"Maravilhosos! Maravilhosos seres humanos! Espiritualizados e maravilhosos!"
"Porém eles não existem. Você não está vendo o lago, pela cabeça do Professor? Não está vendo o cisne nadar, pela saia de Mary?"
"Posso imaginar umas rosinhas de fogo espalhadas em torno deles."
"As rosinhas de fogo não são senão como os vaga-lumes que vimos juntos em Florença dispersos pela glicínia, átomos flutuantes de fogo que vão queimando enquanto voam - queimando, não pensando."
"Queimando, não pensando. E assim todos os livros por trás de nós. Aqui está Shelley - aqui está Blake. Basta jogá-los no ar para ver seus poemas descerem como pára-quedas dourados que rodopiam e brilham e vão deixando cair sua chuva de florações em forma de estrelas."
"Quer que eu lhe cite Shelley? 'Vamos! faz escuro no matagal sob a lua...'"
"Espere, espere! Não condense nossa atmosfera tão fina em gotas de chuva salpicando a calçada. Vamos respirar mais um pouco no pó de fogo."

(...)

"Coisa estranha é o silêncio. A mente se torna como uma noite sem estrelas; mas de repente um meteoro desliza, esplêndido, atravessando a escuridão, e se extingue. Por essa diversão, nunca dizemos suficientemente obrigado."
"Ah, somos uma raça ingrata! Quando olho para minha mão no peitoril da janela e penso no prazer que ela já me deu, como tocou em seda e cerâmica, em paredes quentes, como se espalmou na grama úmida ou banhada de sol, deixou o Atlântico esguichar por seus dedos, apoderou-se de jacintos e narcisos, colheu ameixas maduras, nunca por um segundo desde que eu nasci deixou de me falar de quente e frio, molhado ou seco, espanta-me que eu use esta maravilhosa composição de carne e nervos para escrever invectivas à vida. No entanto é isso o que fazemos. Pense bem a essa respeito, a literatura é o registro do nosso descontentamento."
"Nossa insígnia de superioridade; nossa ambição de honrarias. Você há de admitir que gosta mais das pessoas descontentes."

(...)

"(...) o tempo que eu tenho para a literatura eu dedico a..."
"Aos mortos."
"Detecto ironia na sua correção."
"Inveja, não ironia. A morte é da maior importância. Como os franceses, os mortos escrevem muito bem, e, por alguma razão, podemos respeitá-los e sentir, enquanto iguais, que são mais velhos e sábios, como nossos pais; o relacionamento entre vivos e mortos é certamente dos mais nobres."

(...)

"As luzes se levantam e caem; a água é rala como o ar; por trás dela está a lua. Você afunda? Ou você se levanta? Você enxerga as ilhas? Sozinha comigo?"

Virginia Woolf

domingo, 25 de abril de 2010

O misterioso caso de miss V.

É um lugar-comum que não há solidão que se compare à de quem se vê sozinho numa multidão; romancistas o repetem; é inegável que comove; e agora, depois do caso de miss V., eu ao menos passei a dar-lhe crédito. Uma história como a dela e a irmã - mas é típico que, ao se escrever sobre elas, um nome pareça instintivamente servir às duas; pois pode-se mencionar de um só fôlego, com efeito, um monte de irmãs assim. Tal havido o açougueiro ou o carteiro ou a mulher do pastor; mas numa cidade altamente civilizada as amabilidades da vida humana se estreitam no menor espaço possível. O açougueiro larga sua carne pela área; e o carteiro enfia sua carta na caixa, sendo sabido que a mulher do pastor já atirou as missivas pastorais pela mesma brecha tão cômoda: todos ele repetem que não têm tempo a perder. Assim, ainda que não se coma a carne, que as cartas fiquem por ler e que os comentários pastorais sejam desobedecidos, ninguém se torna mais sensato; até que chega um dia em que esses funcionários tacitamente concluem que o número 16 ou 23 não precisa mais de atendimento. Em suas rotinas, eles então passam ao largo, e a pobre miss J. ou miss V. fica de fora dessa malha fechada da vida humana; e é deixada por todos e para sempre ao largo.
A facilidade com que um tal destino lhe ocorre sugere que realmente é preciso fazer valer seus direitos para impedir que você mesmo seja mantido à parte; como lhe seria possível vir à vida de novo, se o açougueiro, o carteiro e o guarda decidissem ignorá-lo? É um destino terrível; e acho que neste exato momento vou bater de encontrão numa cadeira; o inquilino de baixo agora sabe que, seja como for, eu estou viva.
Mas, voltando ao misterioso caso de miss V., entenda-se que em sua inicial também se oculta a pessoa de miss Janet V.: nem chega a ser necessário dividir uma letra em duas partes.
Durante uns quinze anos elas andaram circulando por Londres; podia-se encontrá-las em certas salas de visitas ou em galerias de arte e, se você lhe dissesse, "Oh, miss V., como tem passado?", como se estivesse acostumado a encontrá-la todos os dias, ela responderia, "Que dia lindo, não é?", ou "Tem feito muito mau tempo", e então você iria em frente e ela pareceria fundir-se a uma poltrona ou uma cômoda. De qualquer modo, você não pensaria mais nela enquanto ela não desgrudasse do móvel, no curso talvez de um ano, e as mesmas coisas viessem a ser ditas de novo.
Um vínculo de sangue - ou do fluido que porventura circulasse nas veias de miss V. - fez com que meu destino particular fosse dar com ela - ou passar por ela ou dissipá-la, seja lá como puder ser a frase - mais constantemente talvez do que qualquer outra pessoa, até que essa pequena performance se tornou quase um hábito. Nenhuma festa ou concerto ou galeria parecia estar completa se a familiar sombra cinzenta não fizesse parte do todo; e quando, não faz muito tempo, ela cessou de estar sempre no meu caminho, vagamente entendi que havia alguma coisa faltando. Não vou exagerar e dizer que entendi que o que faltava era ela; mas não há insinceridade em usar o termo neutro.
Numa sala apinhada, comecei assim a me ver olhando em torno, num descontentamento inominável; bem, todo mundo parecia estar ali - mas por certo faltava alguma coisa nos móveis, nas cortinas - ou seria uma gravura que tinha sido tirada da parede?
Aí, uma manhã bem cedo, despertando de fato ao raiar do dia, gritei bem alto, Mary V., Mary V.!! Foi a primeira vez, estou certa de que ninguém nunca havia gritado seu nome com tal convicção; em geral ele parecia um epíteto incolor, usado simplesmente para arredondar um período. Mas minha voz não interpelou à minha presença, como eu em parte esperava, a pessoa ou parecença de miss V.: o quarto permanecia obscuro. Meu próprio grito ecoou-me o dia todo no cérebro; até eu ter a certeza de que na esquina de uma rua qualquer eu me encontraria como de costume com ela, dando-me satisfeita ao vê-la sumir ao longe. Contudo ela não apareceu; e creio que fiquei desapontada. De qualquer modo veio-me à cabeça, quando de noite me mantive acordada, o inesperado plano fantástico, a princípio um mero capricho, que aos poucos se tornou sério e perturbador, de que eu iria em pessoa visitar Mary V.
Quão louco e estranho e divertido parecia tal plano, na hora em que eu pensava nele! - seguir os passos da sombra, ver onde é que ela vivia, se é que vivia mesmo, e conversar com ela como se fosse uma pessoa igual ao resto de nós!
Pense só quão singular pareceria tomar um ônibus para ir visitar a sombra de uma campanulácea em Kew Gardens, quando o sol se acha a meio caminho céu abaixo! ou pegar nos pêlos de um dente-de-leão! à meia-noite numa campina de Surrey. No entanto a expedição a que eu me propunha era muito mais fantástica do que qualquer uma dessas; e, enquanto eu me vestia para sair, dei não poucas risadas ao pensar quão substanciais preparativos eram necessários para a minha tarefa. Chapéu e botas para Mary V.! Parecia incrivelmente inadequado.
Por fim cheguei ao apartamento onde ela morava e constatei que a placa na entrada, quando a olhei, indicava ambiguamente - igual ao resto de nós - que ela tanto estava lá quanto fora. À sua porta, bem no último andar do prédio alto, toquei a campanhia e bati, esperei e sondei; ninguém atendia; e eu já começava a me perguntar se as sombras morrem, e como poderiam ser enterradas, quando veio uma criada gentil abrir a porta. Mary V. tinha estado doente por dois meses; morrera ontem de manhã, na mesma hora em que eu gritara seu nome. Nunca mais, assim, hei de encontrar sua sombra.

Virginia Woolf

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

M. - Eu estava esfregando a lâmpada para tentar mudar minha vida.

E. - Eu acredito em magia. É a única coisa que pode nos salvar. - Seus olhos estão cheios d'água?

M. - Essa música me diz muito. Tocava na noite em que conheci alguém.

E. - Então são lágrimas de tristeza ou de alegria?

M. - Não são as mesmas lágrimas?

E. - Por que tudo que começo tão bem acaba tão mal?

M. - Não pra todo mundo.

E. - Pra qualquer um com imaginação.
Dá pra se levar a vida se suas ambições forem modestas. Comece a sonhar e veja tudo desmoronar.
Há muitas músicas que me fazem chorar.

Sou inseguro, então eu me vendo.
Se esfregasse a lâmpada e fizesse um pedido, queria compor óperas e sinfonias.
E você?

M. - Eu não escrevo óperas, mas minha vida é uma.
Sou uma daquelas heroínas nervosas demais para existir.
Se bem que eu mesma me criei problemas.
Não deveria ter perseguido meus sonhos sem pensar direito.

E. - Agimos sem pensar porque somos pessoas passionais.
Eu sabia que era passional quando começamos a conversar.

M. - Como?

E. - Seus olhos, sua voz.
Tenho um forte instinto pras pessoas.
É um dom.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Pergunta de criança não tem resposta.

- Je t'ai parlé des huîtres?
- Les huîtres?
- Je t'ai dit à propos des huîtres?
- Non.
- Pense aux millions d'huîtres que reposent au fond de la mer.
Un jour, Dieu vient. Il en voit une et dit "Je pense que je vais la faire différente celle- là."
Tu sais ce qu'il fait?
Il met un petit grain de sable dedans.
Devine ce qu'elle peut faire et que les autres ne peuvent pas.
- Quoi?
- Elle peut faire une jolie perle.
- Et si Dieu avait fait une erreur?

Tomates verdes fritos