sábado, 3 de julho de 2010

O casamento do Não (65)

Na galáxia teatral do Não, destaca-se, com luz própria, ao lado da obrazinha de Manieri, El no, a última peça teatral escrita por Virgilio Piñera, o grande escritor cubano.
Em El no, obra estranha e até muito pouco tempo inédita - foi publicada no México pela editora Vuelta -, Piñera nos apresenta um casal de namorados que decidem não se casar jamais.
O princípio essencial do teatro de Piñera foi sempre apresentar o trágico e o existencial por meio do cômico e do grotesco. Em El no leva até as últimas consequências seu sentido do humor mais negro e subversivo: o não do casal - em óbvia oposição ao tão batido "sim" dos casamentos cristãos - outorga-lhe uma consciência minúscula, uma diferença culpada.
No exemplar que possuo, o prefaciador, Ernesto Hernández Busto, comenta que, com um magistral jogo irônico, Piñera coloca os protagonistas da tragédia cubana em uma representação da hybris às avessas: se os clássicos gregos concebiam um castigo divino para o exagero das paixões e para o afã dionisíaco do excesso, em El no os personagens principais "passam dos limites" no sentido oposto, violam a ordem estabelecida a partir do extremo contrário ao do desenfreio carnal: um ascetismo apolíneo é o que os transforma em monstros.
Os protagonistas da obra de Piñera dizem não, negam-se categoricamente ao sim convencional. Emília e Vicente praticam uma negativa obstinada, uma ação mínima que, no entanto, é a única coisa que possuem para poder ser diferentes. Sua negativa coloca em funcionamento o mecanismo justiceiro da lei do sim, representado primeiro pelos pais e depois por homens e mulheres anônimos. Pouco a pouco, a ordem repressiva da família vai se ampliando ao ponto em que, no fim, intervém até mesmo a polícia, que se dedica a uma "reconstrução dos fatos" que terminará com a declaração de culpabilidade dos noivos que se negam a se casar. No fim, decreta-se o castigo. É um desfecho genial, próprio de um Kafka cubano. É uma grande explosão do não em seu maravilho precipício subversivo:
HOMEM: Dizer não agora é fácil. Veremos em um mês (pausa). Além disso, à medida que a negativa se multiplicar, tornaremos mais longas as visitas. Chegaremos a passar as noites com vocês, e é provável, depende de vocês, que nos instalemos definitivamente nesta casa. Diante dessas palavras, o casal decide se esconder.
- Que você acha desse joguinho? - pergunta Vicente a Emília.
- É de arrepiar os cabelos - responde ela.
Decidem esconder-se na cozinha, sentar-se no chão, bem abraçados, abrir a torneira do gás, e que os casem, se puderem!

Bartleby e companhia
Enrique Vila-Matas

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