Ela era gorda e miúda.
Tinha pezinhos redondos.
A cona era peluda
Igual à mão de um mono.
Alegrinha e vivaz
Feito andorinha
Às tardes vestia-se
Como um rapaz
Para enganar mocinhas.
Chamavam-lhe "Filó, a lésbica fadinha".
Em tudo que tocava
Deixava sua marca registrada:
Uma estrelinha cor de maravilha
Fúcsia, bordô
Ninguém sabia o nome daquela cô.
Metia o dedo
Em todas as xerecas: loiras, pretas
Dizia-se até...
Que escarafunchava bonecas.
Bulia, beliscava
Como quem sabia
O que um dedo faz
Desde que nascia.
Mas à noite... quando dormia...
Peidava, rugia... e...
Nascia-lhe um bastão grosso
De início igual a um caroço
Depois...
Ia estufando, crescendo
E virava um troço
Lilás
Fúscia
Bordô
Ninguém sabia a cô do troço
da Fadinha Filó.
Faziam fila na Vila.
Falada "Vila do Troço".
Famosa nas Oropa
Oiapoc ao Chuí
Todo mundo tomava
Um bastão no oiti.
Era um gozo gozoso
Trevoso, gostoso
Um arrepião nos meio!
Mocinhas, marmanjões
Ressacadas velhinhas
Todo mundo gemia e chorava
De pura alegria
Na Vila do Troço.
Até que um belo dia...
Um cara troncudão
Com focinho de tira
De beiço bordô, fúscia ou maravilha
(ninguém sabia o nome daquela cô)
Sequestrou Fadinha
E foi morar na ilha.
Nem barco, nem ponte
O troncudão nadando feito rinoceronte
Carregava Fadinha.
De pernas abertas
Nas costas do gigante
Pela primeira vez
Na sua vidinha
Filó estrebuchava
Revirando os óinho
Enquanto veloz veloz
O troncudão nadava.
A Vila do Troço
Ficou triste, vazia
Sorumbática, tétrica
Pois nunca mais se viu
Filó, a Fadinha lésbica
Que à noite virava fera
E peidava e rugia
E nascia-lhe um troço
Fúscia
Lilás
Maravilha
Bordô
Até hoje ninguém conhece
O nome daquela cô.
E nunca mais se viu
Alguém-Fantasia
Que deixava uma estrela
Em tudo que tocava
E um rombo na bunda
De quem se apaixonava.
Moral da estória, em relação à Fadinha:
Quando menos se espera, tudo reverbera.
Moral da estória, em relação ao morador
da Vila do Troço:
Não acredite em fadinhas.
Muito menos com cacete.
Ou somem feito andorinhas
Ou te deixam cacoetes.
Bufólicas
Hilda Hilst
domingo, 4 de julho de 2010
sábado, 3 de julho de 2010
O casamento do Não (65)
Na galáxia teatral do Não, destaca-se, com luz própria, ao lado da obrazinha de Manieri, El no, a última peça teatral escrita por Virgilio Piñera, o grande escritor cubano.
Em El no, obra estranha e até muito pouco tempo inédita - foi publicada no México pela editora Vuelta -, Piñera nos apresenta um casal de namorados que decidem não se casar jamais.
O princípio essencial do teatro de Piñera foi sempre apresentar o trágico e o existencial por meio do cômico e do grotesco. Em El no leva até as últimas consequências seu sentido do humor mais negro e subversivo: o não do casal - em óbvia oposição ao tão batido "sim" dos casamentos cristãos - outorga-lhe uma consciência minúscula, uma diferença culpada.
No exemplar que possuo, o prefaciador, Ernesto Hernández Busto, comenta que, com um magistral jogo irônico, Piñera coloca os protagonistas da tragédia cubana em uma representação da hybris às avessas: se os clássicos gregos concebiam um castigo divino para o exagero das paixões e para o afã dionisíaco do excesso, em El no os personagens principais "passam dos limites" no sentido oposto, violam a ordem estabelecida a partir do extremo contrário ao do desenfreio carnal: um ascetismo apolíneo é o que os transforma em monstros.
Os protagonistas da obra de Piñera dizem não, negam-se categoricamente ao sim convencional. Emília e Vicente praticam uma negativa obstinada, uma ação mínima que, no entanto, é a única coisa que possuem para poder ser diferentes. Sua negativa coloca em funcionamento o mecanismo justiceiro da lei do sim, representado primeiro pelos pais e depois por homens e mulheres anônimos. Pouco a pouco, a ordem repressiva da família vai se ampliando ao ponto em que, no fim, intervém até mesmo a polícia, que se dedica a uma "reconstrução dos fatos" que terminará com a declaração de culpabilidade dos noivos que se negam a se casar. No fim, decreta-se o castigo. É um desfecho genial, próprio de um Kafka cubano. É uma grande explosão do não em seu maravilho precipício subversivo:
HOMEM: Dizer não agora é fácil. Veremos em um mês (pausa). Além disso, à medida que a negativa se multiplicar, tornaremos mais longas as visitas. Chegaremos a passar as noites com vocês, e é provável, depende de vocês, que nos instalemos definitivamente nesta casa. Diante dessas palavras, o casal decide se esconder.
- Que você acha desse joguinho? - pergunta Vicente a Emília.
- É de arrepiar os cabelos - responde ela.
Decidem esconder-se na cozinha, sentar-se no chão, bem abraçados, abrir a torneira do gás, e que os casem, se puderem!
Bartleby e companhia
Enrique Vila-Matas
Em El no, obra estranha e até muito pouco tempo inédita - foi publicada no México pela editora Vuelta -, Piñera nos apresenta um casal de namorados que decidem não se casar jamais.
O princípio essencial do teatro de Piñera foi sempre apresentar o trágico e o existencial por meio do cômico e do grotesco. Em El no leva até as últimas consequências seu sentido do humor mais negro e subversivo: o não do casal - em óbvia oposição ao tão batido "sim" dos casamentos cristãos - outorga-lhe uma consciência minúscula, uma diferença culpada.
No exemplar que possuo, o prefaciador, Ernesto Hernández Busto, comenta que, com um magistral jogo irônico, Piñera coloca os protagonistas da tragédia cubana em uma representação da hybris às avessas: se os clássicos gregos concebiam um castigo divino para o exagero das paixões e para o afã dionisíaco do excesso, em El no os personagens principais "passam dos limites" no sentido oposto, violam a ordem estabelecida a partir do extremo contrário ao do desenfreio carnal: um ascetismo apolíneo é o que os transforma em monstros.
Os protagonistas da obra de Piñera dizem não, negam-se categoricamente ao sim convencional. Emília e Vicente praticam uma negativa obstinada, uma ação mínima que, no entanto, é a única coisa que possuem para poder ser diferentes. Sua negativa coloca em funcionamento o mecanismo justiceiro da lei do sim, representado primeiro pelos pais e depois por homens e mulheres anônimos. Pouco a pouco, a ordem repressiva da família vai se ampliando ao ponto em que, no fim, intervém até mesmo a polícia, que se dedica a uma "reconstrução dos fatos" que terminará com a declaração de culpabilidade dos noivos que se negam a se casar. No fim, decreta-se o castigo. É um desfecho genial, próprio de um Kafka cubano. É uma grande explosão do não em seu maravilho precipício subversivo:
HOMEM: Dizer não agora é fácil. Veremos em um mês (pausa). Além disso, à medida que a negativa se multiplicar, tornaremos mais longas as visitas. Chegaremos a passar as noites com vocês, e é provável, depende de vocês, que nos instalemos definitivamente nesta casa. Diante dessas palavras, o casal decide se esconder.
- Que você acha desse joguinho? - pergunta Vicente a Emília.
- É de arrepiar os cabelos - responde ela.
Decidem esconder-se na cozinha, sentar-se no chão, bem abraçados, abrir a torneira do gás, e que os casem, se puderem!
Bartleby e companhia
Enrique Vila-Matas
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