domingo, 6 de junho de 2010

A arte da negativa (12) - Hart Crane

(...)

Quanto a Hart Crane, é preciso dizer, em primeiro lugar, que nasceu em Ohio, filho de um rico industrial, e que, quando menino, foi muito afetado pela separação dos pais, motivo de uma profunda ferida emocional que o levou a tocar sempre as raias da loucura.
Acreditou ver na poesia a única saída possível para seu drama e, durante um tempo, encharcou-se de leituras poéticas, chegou-se a dizer que tinha lido toda a poesia do mundo. Daí talvez proceda a máxima exigência que ele determinava a si mesmo para abordar a própria obra poética. Perturbou-o muito o pessimismo cultural que viu em A terra desolada, de T. S. Eliot, e que, para ele, levava a lírica mundial a um beco sem saída precisamente no espaço, o da poesia, em que havia vislumbrado o único ponto de fuga possível para sua dramática experiência de filho de pais separados.
Escreveu A ponte, poema épico com que obteve inumeráveis elogios, mas que, devido a seu nível de autoexigência, não o satisfez, pois pensava poder chegar, em poesia, a cumes muito mais altos.
Foi quando decidiu viajar ao México com a ideia de escrever um poema épico como A ponte, mas com profundidade maior, já que desta vez o tema escolhido era Montezuma. No entanto, a figura desse imperador (que logo lhe pareceu excessiva, descomunal, totalmente inatingível para ele) acabou provocando-lhe sérios transtornos mentais que o impediram de escrever o poema e o levaram à convicção - a mesma que, sem saber, Franz Kafka havia tido anos antes - de que a única coisa sobre a qual se podia escrever era algo muito deprimente; disse a si mesmo que só era possível escrever sobre a impossibilidade essencial da escrita.
Uma tarde, embarcou em Veracruz rumo a Nova Orleans. Embarcar significou para ele renunciar à poesia. Nunca chegou a Nova Orleans, desapareceu em pleno Golfo do México. O último a vê-lo foi John Martin, um comerciante de Nebraska que esteve falando com ele sobre assuntos triviais, no convés do barco, até que Crane proferiu o nome de Montezuma e seu rosto assumiu um alarmante ar de homem humilhado. Tentando dissimular seu repentino aspecto sombrio, Crane mudou imediatamente de assunto e perguntou se era verdade que havia duas Nova Orleans.
- Que eu saiba - disse Martin -, existe a cidade moderna e a que não é.
- Eu irei à moderna para dali caminhar ao passado - disse Crane.
- Gosta do passado, senhor Crane?
Não respondeu à pergunta. Ainda mais sombrio do que alguns segundos antes, afastou-se lentamente dali. Martin pensou, se voltasse a encontrá-lo no convés, tornaria a perguntar se ele gostava do passado. Mas não tornou a vê-lo, ninguém mais viu Crane, perdeu-se nas profundezas do Golfo. Quando desembarcaram em Nova Orleans, Crane já não estava, já não estava nem para a arte da negativa.

Bartleby e companhia
Enrique Vila-Matas

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