sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Delicatessen

Delicatéssen: 1 iguarias finas, petiscos; 2 casa comercial em que se vendem estas iguarias. - Significado encontrado no Dicionário Houaiss da língua portuguesa.


Apesar do significado de seu título, o filme de Jean-Pierre Jeunet (mesmo diretor de O fabuloso destino de Amélie Poulain, 2001) em parceria com Marc Caro não fala de culinária, gastronomia ou qualquer atividade que envolvesse comida, simplesmente. Na capa do filme vê-se uma imagem de um porco num fundo laranja-quente e a seguinte frase: “Uma comédia diferente de todas que você já viu.”, e esta diz a mais pura verdade – se é uma comédia, definitivamente o público não rirá de piadas convencionais. O fato é que ao assisti-lo, Delicatessen se apresenta como uma junção de diversos gêneros, entre eles a comédia de humor negro, o romance, o drama e, se observarmos sob diferentes perspectivas, o filme se filia também ao gênero político-social, pela maneira como retrata os limites das relações entre pessoas de uma comunidade onde a comida é escassa.

Louison, o protagonista, é um ex-palhaço de circo atraído por um anúncio de emprego no jornal por suas habilidades em serviços gerais de manutenção para um edifício inóspito e decadente. Neste, moram alguns destes personagens cujas fisionomias ridículas e desesperadas ajudam a concretizar a bizarrice do ambiente como, por exemplo, o açougueiro assassino e principal responsável pela distribuição de comida; Julie, sua filha míope; Aurore, uma senhora obcecada pelo suicídio que nunca consegue efetivá-lo; Marcel, um pai de família desempregado, entre outros. O que Louison vai descobrir no decorrer do filme é que seu destino é virar refeição para os moradores do prédio, com excessão de Julie, seu par romântico na trama, que ajuda o palhaço a escapar das armadilhas de seu pai e dos outros habitantes da pensão para capturá-lo.

Mais a frente da própria construção dos personagens, muito bem trabalhada nos detalhes, foram usadas técnicas para distorcê-los, alterando seu tamanho real. Como exemplo estão as cenas onde o açougueiro aparece e este se encontra bem maior que os outros personagens também presentes.

Lançado em 1991, o primeiro longa da dupla de diretores franceses nos introduz num universo fantástico onde o tempo e o espaço numa dimensão macro (cidade) em que se passa não é conhecido. A escala de cores vai desde o amarelo queimado até o vermelho mais fechado com certo brilho dourado que perpassa todo filme dando uma leve sensação de sonho; independente do que aconteça e, independente do quão surpreendentes sejam estes fatos, vamos todos, em breve, acordar.

Além das cores quentes que logo nos remetem ao sujo, velho e enferrujado, a cenografia carregada de uma mistura de expressionismo alemão, por conta de suas linhas retas e sombras exageradas, com aquele velho estilo francês – e por estilo francês eu, leiga no assunto, quero dizer tudo aquilo em que reconheço o estilo de vida Amélie Poulain e, neste caso, em muitas cenas – de montar uma casa com móveis antigos e vestir os personagens com roupas de brechó diferenciam, num ótimo sentido, esta direção de arte das que o público brasileiro em geral é acostumado a ver nos cinemas. A televisão, que a todo tempo transmite imagens mais antigas do que a imagem do filme em si, deixa claro o contraste entre dois mundos: o presente e o que não existe mais, rompendo a coerência da ambientação e, assim, mostrando a relação tempo-espaço cada vez mais peculiar aos olhos do espectador.

Ao contrário do que os poucos diálogos do roteiro de Jeunet, Caro e Gilles Adrien sugerem, Delicatessen não é um filme silencioso, pelo menos não em minha opinião. Colocando em voga a expressividade cênica do longa, qualquer ruído, barulho ou som ganha destaque em cena e se transforma em música, isso quando não atravessa a linha imaginária entre trilha sonora e dramaturgia e acaba por se transformar em fio condutor da narrativa. É impossível não reconhecer a importância da música original de Carlos D’Alessio na construção de um ambiente esquisito, bizarro, engraçado, apaixonante e primordialmente denso.

A cinematografia de Darius Khondji e a montagem de Herve Schneid em conjunção com um roteiro inteligente e ótimas atuações mostram que, no cinema, nem todo espaço precisa ser dimensionado, nem todo tempo preciso ser contado, e toda estória, por mais surreal que pareça, pode construir sua lógica e sentido próprios com muita eficácia.

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