domingo, 22 de abril de 2012

A traição da cidade

Eu queria ser bem poética ao falar da minha cidade com vocês. Gostaria de falar do céu, do cerrado, dos monumentos modernistas de Oscar Niemeyer, dos azulejos vívidos de Athos Bulcão espalhados pelas paredes, do formato de avião etc. Coisas que nós, os próprios moradores daqui, por costume, tradição ou qualquer coisa que o valha, dizem para quem é de fora na intenção nada mascarada de enfeitiçar os tais, fazer com que estes invejem nosso modo de viver organizado, nossa opção por quadras, nossos comércios, a estranheza elegante da nossa falta de esquinas e nosso orgulho em dizer que aqui é impossível se perder a partir do momento em que se entende a lógica dos números.

Há vinte anos, ou melhor, há vinte e dois anos que eu moro aqui e ainda não entendi a lógica dos números. Aliás, não entendo a lógica do por que dos números... Deve ser por isso que vivo me perdendo.

Hoje eu passei pela ponte JK por volta de umas quatro da tarde e os raios de sol batendo no lago embaixo de mim me fizeram pensar que talvez eu pudesse parar de me preocupar, só por um minuto, com o que quer que estivesse me preocupando; que eu poderia agir como turista por um dia e pensar que aquela ponte era, na verdade, a Ponte San Francisco, na Califórnia, ou a Ponte da Arrábida, em Portugal, ou sei lá, qualquer ponte que fosse outra além desta em pauta ou da Ponte Rio-Niterói (passar do ruim pro pior ainda é ironia demais para um destino tão singelo quanto o meu).
Neste momento, meu cachorro, Horácio, que estava no banco de trás, vomitou. Eu pensei, então: "é, não é porque está bonito que está tudo certo".

Eu não sei como é com o cachorro de vocês, mas quando o meu vomita, é sinal de que alguma catástrofe está por vir.

Da série: Brasília, você não cumpre suas promessas.

Ou,

da série: detestamos sentimentalismo e amamos cachorros. 

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